Um Conto de Fábio Dias
Era um senhor rico, de cabelos alvos, costeleta bem feita e olhos azuis. Apesar de possuir muitas rugas no rosto não era velho, aproximava-se dos seus 50 anos. Pensava já ter passado por quase tudo nessa vida. Vivia feliz com a sua esposa e filho em uma confortável casa de dois andares, de onde se podia observar todo o canavial e o belo crepúsculo atrás das montanhas.Nesta noite acordara com um sobressalto. Tivera um pesadelo. Correu até a cozinha, pegou um pouco de chá de jasmim e sentou-se em sua rede na sacada do segundo andar. A lua brilhava prata no céu. Às duas horas da manhã, a noite apresentava um brilho de seis e meia da noite. Sua vida feliz, confortável e bem-sucedida, escondia um passado miserável em frente a fornos de carvão. Começara a trabalhar aos quatros anos de idade para ajudar a velha mãe viúva, da qual se lembra apenas de uma sombra de cabelos grisalhos, com mãos magras, poucos dentes na boca e um perfume de pinho queimado. Tivera pouco contato com essa senhora que veio a falecer antes mesmo de sua primeira cicatriz causada por um forno que desmoronou sobre si, durante uma madrugada como esta em que acabara de acordar.– Tudo bem com você, meu amor - sussurrou uma voz doce da cama do quarto que se adentrava a sacada.– Está sim - respondeu trêmulo. Na verdade, vagava em sua cabeça todos esses fantasmas. Queria um abraço apertado que lhe faltara em sua infância, ou melhor, quando tinha pouca idade.– Já estou indo pra cama - falou novamente. Foram as únicas palavras que conseguiu pronunciar depois. No raiar do dia, ainda meio zonzo, tomou café e se apressou para verificar o andamento das atividades no canavial. Seu filho, que tinha já doze anos, em um pulo só pediu para acompanhá-lo, no que ele respondeu:– Não, lá não é lugar para um menino como você - foi a resposta áspera que ele deu, saindo em seguida para o canavial.Sem entender porque nunca pôde se aproximar do canavial, o garoto resmungou com a mãe, que reafirmou a ordem do pai e logo depois se ocupou com os afazeres da casa.Imaginem um pré-adolescente de doze anos, saudável, agitado e como uma curiosidade na cabeça. Sem hesitar, seguiu o pai sem deixá-lo percebê-lo.Ao passar pela velha porteira, viu seu pai entrando em uma cabana velha infestada de teias de aranhas. Por um buraco do lado de fora conseguia vê-lo lá dentro. Deparou-se com uma cena que não entendia. O pai conversava com os empregados, mas no meio dos adultos várias crianças com lenços na cabeça e facão na mão; uns menores até mesmo que as pesadas armas que usavam em sua jornada árida de trabalho na fazenda. Na boca de seu pai um discurso efervescente. “Sou filho desta terra como vocês, como vocês eu comecei e olhem onde estou. O trabalho enobrece o homem, quanto mais vocês produzirem, mais rápidos chegarão a ser o que sou hoje. Pois tudo o que tenho devo ao trabalho duro que tive a vida inteira”. Esquecera apenas de falar que aos doze anos de idade, a mesma idade de seu filho, a fazenda da qual era “escravo” foi desmanchada por uma operação policial, e que após isso passou mais seis anos em orfanatos e reformatórios, e que aos vinte anos, num golpe de sorte, ganhara um dinheiro numa lotérica e a partir daí investiu o ganho em mão de obra barata para construir o seu pequeno “império”.O menino se viu diante do pai e se assustou derrubando latas de querosene que estavam ao seu lado. O pai o surpreendeu e enxergou nos olhos de seu menino assustado a decepção.Não era o sono que o perturbava e não o deixava dormir, era apenas ele mesmo.
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