Por Mariana Muniz - Professora da Graduação e da Pós-Graduação do Curso de Teatro da EBA/UFMG e Diretora da LPI-BH e do Match de Improvisação (BH/MG)
Falar de improvisação é, necessariamente, falar de espontaneidade. Termo complexo de entender, pois está intimamente vinculado a idéias abstratas como talento, criatividade e originalidade. Para o improvisador, e também para o ator, músico, bailarino, escritor, ou qualquer outro artista, a espontaneidade é uma ferramenta concreta e de uso diário. Mas a espontaneidade não é um comportamento exclusivo do artista, mas sim de todo e qualquer ser-humano. Restaria perguntar se os animais também são espontâneos ou só instintivos, mas essa é uma discussão que foge do nosso tema agora. Mas, afinal de contas, o que é essa tal espontaneidade? A espontaneidade está relacionada à reação, ou seja, é uma ação que responde a uma ação anterior. Em resumidas palavras, a espontaneidade é uma resposta a um estímulo de qualquer natureza. Mas não necessariamente uma resposta instintiva é uma resposta espontânea. Se coloco o dedo sobre algo muito quente, retirando-o imediatamente, ajo por instinto de preservação, ou seja, isso seria uma reação instintiva. A reação espontânea está no âmbito das reações que poderiam ser diferentes, no caso da queimadura, só posso ir contra a essa reação instintiva se, depois de tirar o dedo, decidir voltar a colocá-lo e suportar a dor. Quer dizer, então, que todas as nossas reações, ou respostas, que não sejam somente instintivas são espontâneas? Não é bem assim. Nosso comportamento nem sempre é espontâneo e nem poderia ser. No trânsito, se alguém me corta, posso ter a reação espontânea de bater na traseira deste carro, mas não o faço porque não é civilizado, porque o motorista do outro veículo pode estar armado, porque acabaria gastando uma fortuna com o seguro etc. Ou seja, a esse estímulo, ponderei uma série de razões éticas, morais e econômicas que me fizeram ter uma resposta não espontânea e, nesse caso, com certeza muito mais acertada.Esse exemplo tem como objetivo desassociar o conceito de espontaneidade da dualidade bem e mal, ou seja, da falácia de que ser espontâneo é bom, não sê-lo é mau. Cada situação merece um tipo de resposta diferente, mas no caso da improvisação, ser espontâneo é imprescindível. E aí vamos entrando na definição do termo. Na situação acima, pensar nos prós e nos contras me fez abortar uma reação espontânea. Na criação improvisada, acontece exatamente o mesmo.Diante de qualquer estímulo, um som, uma palavra, um gesto, um estado de ânimo, etc, o improvisador deve reagir instantaneamente, sem tempo para pensar sua resposta e avaliá-la. No caso da cena improvisada, a resposta espontânea será sempre a mais adequada. Isso quer dizer que a reação espontânea tem a ver, exclusivamente, com a velocidade de reação, pois é essa velocidade que impede que os nossos censores internos atuem. São esses censores, que Boal chama de "o tira na cabeça", que influenciam nossas reações e as fazem ser não espontâneas. Se em nossa vida diária esses censores às vezes nos ajudam a escapar de algumas "ciladas sociais", também nos impedem de nos relacionar com os outros de maneira mais relaxada e verdadeira. Na improvisação, a atuação desses censores elimina qualquer possibilidade de criação. Portanto, o primeiro treinamento do improvisador é a velocidade. Através dela impedimos que este pense suas reações e então comece a agir no terreno da espontaneidade. Mas de que serve a eliminação dos censores internos se os externos, professor, diretor, platéia, colegas de trabalho, continuam atuantes? Por isso, para se começar a trabalhar a improvisação é fundamental a criação de um ambiente solidário, onde quem assiste não seja juiz e sim cúmplice.Keith Johnstone, dramaturgo inglês que atualmente vive no Canadá e que é considerado o “papa” da improvisação-como-espetáculo, afirma que para que a espontaneidade possa começar a ser recuperada e desenvolvida é fundamental que os improvisadores não sejam avaliados pelo conteúdo de suas repostas espontâneas e sim pela velocidade de execução das mesmas. Isso porque quando começamos a nos adentrar no terreno da espontaneidade, estamos dando espaço para que o nosso consciente deixe escapar vestígios daquilo que corre mais profundamente em nós mesmos, revelando, muitas vezes, aspectos da nossa personalidade que nos assustam e surpreendem. Como o trabalho do improvisador não tem um caráter essencialmente terapêutico e sim artístico, evitamos falar inicialmente do conteúdo das improvisações a fim de que o improvisador iniciante não se responsabilize pelo que diz e, assim, não desperdice o trabalho já realizado voltando a colocar em ação seus censores.É interessante recordar que quem primeiramente começou a se referir à espontaneidade como um elemento a ser treinado foi Jacob Levy Moreno, o criador do teatro da espontaneidade, mais conhecido como o criador do Psicodrama. O Psicodrama, metodologia terapêutica amplamente difundida no mundo no terreno da psicologia, surge de uma experiência teatral. A fim de criar um teatro totalmente improvisado, Moreno se depara com a força reveladora das respostas espontâneas e encontra nelas um terreno para a terapia individual ou em grupo. Mesmo que os atuais espetáculos improvisados se distanciem desta intenção terapêutica, é importante afirmar como o treinamento da espontaneidade pode lançar à tona conflitos e desejos ocultos em cada um de nós.Voltando ao nosso tema específico, até aqui estamos falando da iniciação à improvisação. À medida que o improvisador se torna experiente e mais acostumado a trabalhar na espontaneidade, ou seja, na velocidade de reação, a reflexão sobre o conteúdo começa a aparecer. Não se trata de uma reflexão terapêutica ou cerceadora, e sim da tomada de consciência do seu universo pessoal e dos aspectos escuros ou luminosos que o compõe sem assustar-se com isso. Também observamos que, com improvisadores mais experientes, a um estímulo dado surgem várias respostas imediatas e espontâneas, e aí começa a atuar o improvisador-dramaturgo, que adapta sua espontaneidade à cena que está sendo construída. Quer dizer, de nada me serve ser só espontâneo se as minhas respostas destroem o que estava sendo construído pelos meus colegas de cena. Claro que estamos falando de uma etapa muito posterior na formação do improvisador, aquela na qual ele já se coloca no desafio de construir conjuntamente cenas que sejam interessantes diante do público, o que caracterizaria os espetáculos de improvisação.Assim, a espontaneidade, isso que inicialmente nos parece nebuloso e inatingível, é o fundamento da improvisação teatral. Por isso deve ser treinado à exaustão, pois é a partir da reação espontânea que o improvisador pode começar a construir uma cena improvisada. A originalidade - que como bem nos lembra o Profº. Eugênio Tadeu, do Curso de Teatro da UFMG, etimologicamente tem a ver com a origem e não com a novidade - só pode surgir através da resposta espontânea. Na espontaneidade nos revelamos como somos, revelamos nossa essência, nossa origem e, por isso, somos originais.
Comentários
eu estava fazendo uma pesquisa de outra coisa, mais acabei aprendendo mais uma coisa depois de ler o texto........
Vlw!!!
flw!
Parabens pelo texto.