El Estado y el Texto / O Estado e o Texto

Apolo Heringer Lisboa
Para mim o fracasso mais profundo de Copenhagen foi não ter sido Copenhágua!
Ao contrário do que parece, há uma artimanha na proposta da economia do baixo carbono. Esta proposta é comandada pela liderança do partido democrata dos EUA, e a serviço da dominação do mundo pela economia deles. Uma versão quase perfeita de maquiagem ambiental, de lavagem verde de políticas sujas. Querem ter a liderança da agenda ambiental sem mudar o sistema econômico, social, político, ambiental e cultural. É uma estratégia de hegemonia geo-política.
Tem muita gente boa e inteligente embarcando inocentemente ou espertamente, nesta história de economia de baixo carbono. Não que rejeitamos substituir os combustíveis fósseis por energias renováveis. Mas a maioria dos ambientalistas de proa e técnicos do “setor” se equivocam nesta questão política e estratégica. Sempre fica a versão dos que dominam o mundo, mas não é o meu entendimento. Vou dizer por quê.
A economia de baixo carbono permite posar de ambientalista sem sê-lo de fato. O Al Gore lançou aquele filme e recebeu até o prêmio Nobel. Há questionamentos crescentes sobre seus métodos e afirmações. Isto não está esclarecido ainda. Mas esse processo foi útil num primeiro momento e sem dúvida ainda o é, com a mídia falando em economia do baixo carbono e de aquecimento do planeta, propondo energias alternativas etc. Ajudou a colocar o meio ambiente na agenda política internacional. Mas as coisas não se passam com esta relevância que se atribui a esta proposta política.
Porque ela permite não mexer devidamente no sistema de produção e consumo hegemônico internacionalmente, mantendo o consumismo e a destruição de ecossistemas vitais ao equilíbrio da vida. Claro que serão importantes as energias alternativas à queima de combustíveis fósseis. A eólica, a solar, as marés. O etanol. O biodiesel. O carvão de eucalipto, etc. São nossas bandeiras também, mas há aí uma diferença fundamental. Que se respeitem as condições ambientalmente imperativas.
O desmatamento acelerado do cerrado brasileiro e do bioma amazônico, substituindo-o por monoculturas extensivas, para produzir carvão vegetal, etanol e biodiesel, destrói nossa biodiversidade e nada tem de verde! A construção de hidrelétricas grandes e pequenas prá todo lado tem um custo ambiental não computado
Pouco se tem falado em consumo sustentável de energia. Vemos edificações novas e oficiais consumindo luz artificial de dia e ar condicionado por todo tempo, por má qualidade da arquitetura desses projetos. Faltam políticas públicas claramente estabelecidas neste sentido. Eu, por exemplo, pago mais IPTU em BH porque tenho placas solares e economizo energia elétrica! Fala-se de aumentar a oferta energética o tempo todo, sem medir as conseqüências e os custos ambientais e sociais.
Pergunto: por que não há uma política do Estado brasileiro impedindo isto, se podemos plantar eucaliptos, cana, oleaginosas e abastecer as grandes empresas plantando em micro, pequenas e médias propriedades já desmatadas e falidas economicamente, agregando a este processo a agricultura familiar, permitindo o desmatamento zero e a distribuição de renda? Isto já é feito com a produção do leite, com as vaquinhas dos pequenos enchendo os caminhões das cooperativas e a Nestlé. Por que não modificar métodos do modo de produção, mantendo o capitalismo, mas conservando o meio ambiente e a qualidade de vida da população? Por que tudo tem que ser apocalíptico (não confundir com eucalíptico) e forçando a barra desse jeito? Por que respeitar a monocultura extensiva gigantesca desmatando ecossistemas naturais e para sempre, sem necessidade econômica real e concentrando renda?
Copenhágua seria a gestão conservacionista por território de bacias hidrográficas e ecossistemas integrados, com foco na qualidade das águas e na biodiversidade das bacias, na conservação do solo, na conservação da flora e fauna e seus ecossistemas. Seriam um eixo bem mais interessante para resolver todas estas questões energéticas e ambientais, com visão sistêmica e sustentabilidade social.
Incluiria o esforço pela economia de baixo carbono, mas não reduziria nem simplificaria a complexidade das questões sociais, econômicas e ambientais à gestão da absorção de um elemento químico chamado carbono. Pois esta proposta de baixo carbono está sendo compatível com o fim dos nossos rios por barragens, a destruição da biodiversidade, destruição de matas nativas por projetos de silvicultura com uso intensivo de agrotóxicos e monocultura. Estão querendo manter intacta a economia que gera estes impactos desnecessários, visando maximização de lucros, socialização de prejuízos e calote nos serviços ambientais, cuja recuperação é transferida aos contribuintes sufocados cada vez mais por impostos.
A economia de baixo carbono é importante, mas ela é complementar, não pode ser o eixo principal de nossa política ambiental. Ela legitima o prosseguimento da liderança do capital financeiro sobe o pensamento do movimento ambiental. Isto está muito claro e não tem sentido ficar para depois.
Termino, repetindo o poema abaixo e sua história. Somos peixes de piracema ou nada seremos na história. Vivemos de vitórias adiadas, nunca derrotados! Embora, quase sempre, morramos sem entrar na Terra Prometida!
“Sou filho do litoral. Vi o oceano lutar contra o rochedo. Toda onda que se atira contra a pedra, volta esfarrapada, desfeita, vencida. No entanto, os penhascos vitoriosos vão de ano para ano desaparecendo na fímbria do mar. Essa é a luta do pensamento contra o interesse, do novo contra o estabelecido. Há milênios que nós assistimos a um calculado esmagamento das idéias, pelas armas, pela calúnia, pela corda. No entanto, apesar disso, o pensamento humano continua a desabrochar como uma grande flor. A nossa vida é constituída de derrotas”.
Afonso Schmidt
Obs. O grande escritor Afonso Schmidt, filho de Cubatão, no litoral paulista, já bastante idoso, não suportou a notícia do golpe militar de 64, falecendo dias após. Um brinde ao querido e velho companheiro.
Abraço, Apolo Heringer
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