
por Leila Verçosa
“Simplicidade não é sinônimo de felicidade. Demorei sessenta anos para ousar um filme como esse”
Abbas Kiarostami nos convida a olhar, profundamente, mais uma de suas obras: Dez. O filme, feito aos impulsos do Movimento Cinema Livre e sob as trilhas do Road Movie, traz à tela uma contemplação quase desmedida da mulher. Mas não de mulheres que são tão costumeiramente fáceis de olhar, mas daquelas mulheres que se escondem atrás dos negros véus impostos pelas duras tradições do Irã.
A mulher que é tão oprimida na realidade iraniana passa a ser o objeto de contemplação e peça chave da história, infiltrando-se assim, no meio do caminho da psicanálise que a coloca diante dos complexos freudianos destinados à ela: O Complexo da Castração, o Complexo de Édipo e a mulher como objeto de contemplação. Tudo isso ilustrado no filme pela representação da repressão feminina no Irã, pelas atitudes, demasiadamente, radicais e machistas do filho diante do ciúme implícito da mãe com o padrasto, e, finalmente, pela mulher como objeto de contemplação (voyerismo), ressaltada nos close-up’s.
Produzido em, literalmente, 10 capítulos, com apenas duas câmeras instaladas no interior de um carro (uma focada no piloto e outra no passageiro) acompanham, igualmente, 10 diferentes situações da personagem principal (uma mulher iraniana, como muitas outras na atualidade), com seus respectivos 10 passageiros. Portanto, há apenas o enquadramento em close-up, que moldura com perfeição a obra contemplada, e que diante dos olhos personagens se bastam para contar o que se passa. Os planos são longos, contribuindo, assim, para a “não-narrativa” de Kiarostami.
A voz no filme, por sua vez, é completamente diegética; não há como desvincular a imagem do som, neste caso, a cena não existiria realmente. Não obstante, em meios aos desenfreados diálogos iranianos nota-se uma peculiaridade do diretor, ao enfantizar, muitas vezes, a câmera no rosto de quem escuta e não de quem fala. Visto que, em alguns momentos, nem ao menos, vemos os rostos de quem fala (no caso da prostituta e da senhora que está indo rezar no Mausoléu).
Finalmente, o roteiro simples do filme é o suficiente para que se compreenda a trajetória desta personagem apenas em alguns poucos dias. Desta forma, O diretor não foge ao seu estilo, deixando no final do filme, a mensagem de que estas mulheres estão mais vivas que nunca; E que, se antes a repressão as intimidava, hoje, podem estar, ao menos, perto da noção de liberdade.
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